Dor de amor
Dor de amor
Guida Linhares
Eram jovens, recém saidos da adolescência. Estudavam na mesma classe, embora João mais tímido e arredio, poucas vezes tivesse dirigido a palavra à Luiza. Ela mais espontânea, cheia de tagarelices, estava sempre rodeada de colegas, e as vezes até riam muito daquele garoto tão sério e compenetrado, e que durante as aulas sabia as respostas na ponta da língua. Então o acaso da vida aconteceu. Luiza mal de estudos e com risco de reprovação, temerosa da reação dos pais, viu em João a sua tábua de salvação. Assim foi se aproximando dele, fazendo-se de amiga e falando sobre suas dificuldades, conseguiu com que João, quebrando o seu gelo habitual, se oferecesse para reforçar as matérias, ficando combinado que iria a casa dela, todas as tardes, o que assim aconteceu. Com a proximidade, a atenção e carinho de João, sua paciência em repetir muitas vezes a mesma coisa, tudo isso foi fazendo com que Luiza passasse a admirá-lo cada vez mais. E da admiração ao apaixonamento, foi um pulo de algumas tardes.
Luiza estava encantada com ele. Comentava com suas amigas sobre tudo o que ele falava, sobre as poesias que ele fazia e declamava e que muitas vezes até chegou a pensar se poderia ser ela, a musa inspiradora dele, tal o entusiasmo com que passara a vê-lo desde então. Mas João continuava a tratá-la como uma simples colega. Educado, gentil, porém em nenhum momento deixava perceber qualquer outro tipo de admiração. Apenas nos momentos em que declamava, é que parecia cheio de energia, olhos brilhantes, vóz bem colocada, e parecia que se apresentava somente a ela e a ninguém mais. Tal era a visão de Luiza, já coberta pelas nuvens da ilusão amorosa, que deita véus nos olhos de quem se apaixona.
E o tempo foi passando, João permanecendo em seu jeito de ser e Luiza sonhando cada vez mais com o dia em que as mãos se tocassem, os lábios se entreabrissem e finalmente João se declarasse apaixonadamente a ela.
Pelo amor a João, Luiza passou a gostar dos estudos e conseguiu recuperar suas notas, para completa satisfação sua e de seus pais. Muito observador e com delizadeza o rapaz fez ver a Luiza que não mais precisariam continuar as tardes de estudo, a não ser que ela quizesse aprender a fazer poesias, o que Luiza prontamente aceitou. Mas ela não tinha jeito pra isso.....havia vivido até então uma vida de muita superficialidade, sem aprofundar o olhar em nada, seja nas circunstâncias da vida das pessoas, seja nas manifestações da natureza. Não conseguia abstrair-se o suficiente para receber a inspiração necessária e mesmo com todo o empenho de João, que parecia possuir o dom do poeta, Luiza quase nada conseguia. Então mais uma vez João interferiu, dizendo que era melhor que procurasse outra atividade, mais de acordo com o seu gosto. E esta foi a gota d` água: Luiza olhou bem nos olhos dele e perguntou:
- Mas afinal, voce gosta de mim? De que forma? E João respondeu que gostava dela como uma amiga, o que a deixou furiosa: - Então estou perdendo o meu tempo contigo?
- Não, respondeu ele, voce está ganhando o seu tempo, pois aprendeu a gostar dos estudos e a escutar poesias, apenas não consegue fazê-las, só isso. Não há mais razão para estarmos nos encontrando, não há mais nada que eu possa te ensinar. Voce é que vai ter que aprender a ler nas entrelinhas da vida.
Luiza foi tomada de assalto por uma raiva incontrolável. A dor de ter sido enganada todo aquele tempo? Como isto pode acontecer? Como pode ter sido tão tola? Bem que ela no início sempre achou João meio esquisito. Mas o que a havia fascinado nele, a ponto de se apaixonar? A caminho de casa, começou a rememorar as várias tardes de estudo e somente conseguia ver João declamando poesias. Seu coração estava aos pulos, a dor do primeiro amor não reconhecido era demais...e João só declamava poesias, e eu em que fico nisto tudo, pensava ela. Então parou e sentou-se num banco da praça, tirou seu caderno e ali escreveu:
O amor chegou bem forte,
na doce vóz de um poeta,
que mostrou para mim um norte,
deixando minh`alma inquieta.
O consolo que me resta,
de tudo o que passei,
é tracejar em palavras,
o quanto que te amei!
E assim da dor de amor, nasceu uma poetisa: Luiza.
Santos/SP - 19/10/2005
Guida Linhares
Enviado por Guida Linhares em 28/06/2007